sábado, 26 de maio de 2012

Os famosos bolos de dona Delícia Santa

Texto: Wagner Sturion


Brigadeiro Austero era casado há pouco menos de um ano com Delícia Santa. Casamento do tipo arranjado pelas famílias, em uma época bem distante da nossa, em São Paulo... Homem severo, de poucas palavras, mantinha a casa também militarmente. Jamais atendia pelo nome se a palavra Brigadeiro não antecedesse o Austero. Dona Delícia era uma mulher dada a conversas longas nas calçadas tanto com amigas quanto com amigos. De Santa, à boca pequena vou lhes revelar, nada tinha. Mas dentro de casa, com o marido, era a “Santinha”. Brigadeiro Austero tinha certeza de sua fidelidade, mais do que isso, de sua obediência. Passava o dia todo no quartel e como não tinha amigos pela vizinhança, claro, não sabia das andanças de sua Delícia Santa pelo bairro. À boca pequena também vale um comentário, sem maldade alguma, longe de mim: Brigadeiro Austero não tinha amigos nem no quartel. Era odiado por toda cadeia hierárquica que estava abaixo dele. Mas não pense que ele ficava triste com isso. O medo das pessoas lhe dava uma sensação prazerosa de poder. Quando ficava a sós com sua “Santinha”, no quarto, e ela chorava de pavor, não havia homem mais orgulhoso e “macho” do que ele! Dizia sempre: “ – Mulher minha é no cabresto!”  À boca pequena novamente: no cabresto dele e da corporação toda... Delícia chorava no quarto e ria à toa pela vizinhança... Eis que um dia, seu coração foi totalmente conquistado por um soldado raso, chamado Mantega Silva.  Delícia Santa era fadada a encontrar militares para “namorar”. Gostava de fardas, armas, vozeirões mandões etc. Tinha um fetiche incontrolável por tudo que a tentasse subjugar no dia a dia, à boca pequena, ela procurava por isso para combater a “selvageria masculina”. Queria se vingar do marido e de todos aqueles que maltratavam as mulheres. Era com esse pensamento  que suas escapadas, além do casamento, e do próprio amante, lhe trariam algum prazer. Ao completarem um ano de casamento, Brigadeiro Austero noticiou um período de férias de 30 dias. Detalhe: nada de viagem, iriam economizar. Ficariam em casa todo o tempo. Delícia Santa entrou em pânico. Suas saídas, seu soldado raso e seus amantes, como conseguiria coordenar tudo? Precisava ao menos de umas duas horas na rua todos os dias para se safar das ordens de seu marido para ordenar sua própria corporação. Não teve dúvidas: foi para a cozinha logo no primeiro dia de férias do Brigadeiro Austero e preparou um bolo de fubá. Muito feliz, ele foi até a mesa para apanhar um pedaço do bolo. “Santinha” então lhe avisou: “ – Vou abrir exceção de um pedaço, pois é para você, meu Brigadeiro Austero, querido! Mas vou logo avisando: o restante é para as crianças do orfanato que visito toda tarde!”. Ele questionou se ela ia deixá-lo sozinho. A resposta: “ – Se quiser me acompanhar até o orfanato, tudo bem! São só duas horinhas... Prometi para Santa Edwiges fazer isso sempre. Há muitas crianças abandonadas por lá, podemos até pensar em adotar alguma um dia”. Brigadeiro Austero tinha verdadeiro horror a ter filhos. Não conseguiria partilhar o amor de sua “Santinha” com mais ninguém, principalmente compartilhar seu tempo com ela com crianças que lhe tomariam todo o tempo.  Muito sábio quanto aos desejos das mulheres de serem mães, rapidamente viu no orfanato uma oportunidade de distraí-la quanto a este intento, “pois mulher quando quer engravidar um homem consegue ser perversa e enganar muito bem, dizendo que não sabe como tudo aconteceu”. E completou seu pensamento: “ E quem sou eu de desrespeitar esta outra Santa?” Olhou para a mulher e respondeu: “ – Não, vai você levar esse bolo e vê se não demora muito! Brinca com suas crianças lá, que dentro de casa você sempre fará infantilidades comigo!”, e riu sarcasticamente. Por trinta dias seguidos, as “crianças” do orfanato comeram todo tipo de bolo que o leitor possa imaginar. Moral da história: a cozinha não só pode esconder segredos culinários. Para se ter uma receita de vida verdadeira, tudo vai depender da maneira que compartilha o dia a dia com quem cozinha para você. 


Em tempo: depois dessa experiência fazendo bolos por trinta dias seguidos, Delícia Santa se transformou na maior boleira que a cidade em questão já teve. Brigadeiro Austero faleceu cinco anos depois de problemas do coração, mas sem nada saber sobre sua “Santinha”.  Ela não se casou novamente, mas se juntou com um mecânico de carros, conhecido como senhor Félix,  que a fez muito feliz e até conseguiu fazê-la deixar o orfanato de lado... Com ele, teve cinco filhos: Margarida, Florisbela, Ana Rosa; Mantega e Felício.  Compartilhou os ensinamentos de cozinha com as três filhas; ensinou aos dois meninos que mulheres são como flores: “ – Devem estar no melhor jardim, cultivadas em terra boa e regadas com água límpida”. As moças abriram um restaurante em sociedade. Os moços se tornaram os melhores jardineiros da cidade.

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